Vinte e quatro horas no Recife

Entre 23h50 e 00h50… Joaquim estava com o nariz enfiado em uma carreira de cocaína. Ele cheirava como se o mundo estivesse preste a se acabar. Estava sentado no banco de trás do seu Vectra e, pelo vidro do pára-brisa, ele a viu passar. Então se arrumou e voltou para a festa.

Entre 00h50 e 01h50… Amanda tentava, desesperadamente, ligar para seu namorado. Na primeira vez que a chamada caiu, ela gritou. Na segunda vez, ela praguejou. Na terceira, atirou o telefone celular na parede, sentou-se no chão da sala e começou a chorar compulsivamente. E, então, vencida pela bebedeira, adormeceu.

Entre 01h50 e 02h50… Rafael limpava o sangue do seu rosto. Ele havia atirado perto demais. “Perto demais”, repetia para si mesmo. Estava no banheiro da casa do morto e se apressava para se limpar. Rafael sabia que alguém poderia ter ouvido o tiro e chamado a polícia. O sangue era difícil de sair, mas ele estava conseguindo.

Entre 02h50 e 03h50… Vanessa ainda não tinha tido coragem de falar com o rapaz loiro que estava na festa. Era a primeira vez que o via sozinho, sem a namorada. Sua grande chance era aquela. Mas cadê a coragem?

Entre 03h50 e 04h50… Joaquim havia perambulado pela festa inteira (e olhe que não era um lugar muito grande) atrás da menina. Havia começando a achar que tinha se confundido. Em um determinado momento parou no bar e pediu uma cerveja. Foi quando uma garota apareceu do nada, parou ao seu lado e perguntou seu nome.

Entre 04h50 e 05h50… Amanda se levantou e correu em direção ao banheiro. O vômito saiu até pelo seu nariz e seu cabelo caiu dentro da privada. Ela voltou rastejando para a sala. Catou a bateria e a capa do seu celular e tentou remonta-lo, mas não conseguiu. Ainda bêbada, adormeceu no chão mais uma vez.

Entre 05h50 e 06h50… Rafael estacionou em um posto de gasolina. Antes de descer do carro, certificou-se, pelo espelho retrovisor, se estava limpo totalmente. Saiu do carro, andou alguns metros e voltou, pois se lembrou do seu celular no porta luvas. Havia várias chamadas não atendidas de alguém registrado como “Amor” na agenda do seu telefone. Ele ligou de volta, mas deu caixa postal. Então foi até a loja de conveniência e pediu uma cerveja.

Entre 06h50 e 07h50… Vanessa estava no banco de trás do Vectra do rapaz loiro, estacionado em um edifício garagem. Eles trocaram amassos durante algum tempo. Então, o rapaz lhe ofereceu cocaína. Ela relutou no começo, mas decidiu experimentar. Seu nariz ficou dormente e ela trincou os dentes. Da segunda vez que ele ofereceu, ela não relutou.

Entre 07h50 e 08h50… Joaquim dirigia seu Vectra em alta velocidade pela avenida Agamenon Magalhães. A garota deitada no banco de trás, babava e se debatia em espasmos. O plano era largá-la na entrada da emergência e fugir.

Entre 08h50 e 09h50… Amanda estava sóbria, mas sua cabeça pesava uma tonelada e sua boca fedia, assim como seus cabelos. Ela tomou um banho e escovou os dentes. Depois voltou para a sala, enrolada em uma toalha, e montou o telefone. Ficou pensando se valia a pena ligar para seu namorado de novo.

Entre 09h50 e 10h50… Rafael terminava sua quarta cerveja. O sono já estava chegando, mas quem chegou primeiro foi Pablo. Rafael não sabia se o nome dele era mesmo esse, mas era assim que ele era chamado. Pablo pediu uma prova de que o serviço estava feito. Rafael lhe mostrou o cordão que o homem morto naquela noite usava. Pablo pegou o cordão, lhe entregou o dinheiro e foi embora. Rafael pediu outra cerveja e bebeu devagar.

Entre 10h50 e 11h50… Vanessa era jogada na rampa de emergência do pronto-socorro. Homens vestidos de branco a pegaram e a colocaram em uma maca. Seu pulso estava fraco e ela mal respirava quando a levaram para dentro.

Entre 11h50 e 12h50… A suspeita de Joaquim de que estava sendo perseguido pela polícia se tornou certeza. Os policiais trancaram seu carro, logo após a descida do viaduto. Mandaram ele sair com as mãos para cima. Ele ficou nervoso e tentou tirar sua carteira para mostrar a identidade. Um dos policiais achou que ele estava puxando uma arma e lhe acertou um tiro no ombro esquerdo.

Entre 12h50 e 13h50… Amanda saiu para trabalhar, morrendo de dor de cabeça. No ônibus, ela se controlava para não ligar para o namorado. “Não se rebaixe”, pensava ela. Resolveu, enfim, lhe mandar uma mensagem de texto bem desaforada quando chegasse no trabalho. Teve essa idéia ao vê-lo saindo de uma loja de conveniência com uma cerveja na mão.

Entre 13h50 e 14h50… Rafael recebeu a seguinte mensagem de texto da pessoa registrada como “Amor” na agenda do seu telefone: CAXORRO. Ele tentou ligar de volta, mas a chamada caiu na caixa postal. Ele resolveu responder também em mensagem de texto: JUMENTA.

Entre 14h50 e 15h50… Vanessa explicou ao médico que tinha usado cocaína, coisa que os enfermeiros felizmente suspeitaram na hora de prestar os primeiros socorros. Nesse período de tempo ela vomitou três vezes e fez xixi umas doze. Depois pediu para fazer uma ligação, pois tinha perdido seu celular.

Entre 15h50 e 16h50… Joaquim acordou e o médico da emergência lhe disse que a polícia queria falar com ele. Um policial entrou na sala de cirurgia e falou que tinham achado cocaína em seu carro. Depois perguntou sobre a menina que ele tinha deixado na emergência. Joaquim disse que só falaria na presença do seu advogado.

Entre 16h50 e 17h50… Amanda levou um esporro da sua chefe por causa do cheiro de álcool que ela exalava. Ela foi até o banheiro e tomou um banho de perfume. Depois voltou para a recepção do consultório veterinário. Uma gorda aguardava a vez do seu poodle toy ser atendido. O cachorro sentiu o perfume e começou a latir sem parar. A dor de cabeça de Amanda voltou.

Entre 17h50 e 18h50… Rafael dormiu. Quando acordou comeu dois pacotes de miojo e ficou vendo televisão. Havia uma mensagem de voz no seu celular.

Entre 18h50 e 19h50… Após ter falado com a polícia, Vanessa esperava por seu irmão. Quando ele chegou, perguntou o que houve e ela lhe disse. Seu irmão não falou nada, mas ela sabia que ele estava puto. Ela perguntou se podia dormir na casa dele naquela noite. Ele disse que sim, mas tinham que parar para comprar comida. No apartamento dele só tinha miojo.

Entre 19h50 e 20h50… Joaquim pensava em um jeito de fugir do hospital, mas havia um policial parado bem na sua porta. Ele, enfim, resolveu que não tinha coragem para fazer e ficou quieto. Ele chorou também.

Entre 20h50 e 21h50… Amanda estava em casa vendo novela. Entre uma cena de beijo e outra, ela chorava por causa do seu namorado. Resolveu mandar outra mensagem. Dessa vez ela escreveu: EU TI AMO

Entre 21h50 e 22h50… Rafael fez compras com irmã eu a levou para seu apartamento. Ele comprou do bom e do melhor. Afinal, estava com dinheiro. Tinha feito um bom serviço na noite anterior.

Entre 22h50 e 23h50… Vanessa preparou o jantar e na hora de servir foi procurar talheres. Achou um revólver na gaveta da cozinha e foi falar com o irmão. Ela estava nervosa. Ele pediu para ela se acalmar, mas não adiantou. Vanessa balançava a arma desesperadamente enquanto cobrava explicações e, então, ela disparou. Seu irmão morreu na hora.

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2 respostas para Vinte e quatro horas no Recife

  1. Andreane disse:

    Puta fudjido esse texto 🙂

  2. Athena disse:

    Puta texto bom!!!!!!!!!!!

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